domingo, 27 de setembro de 2009
Filhos...
Pois bem, devo dizer que nasci a poucos minutos atrás enquanto mamãe lavava a louça do almoço. Logo que pensei "Existo!" já imaginei qual seria meu nome e instantaneamente alguém gritou no fundo da minha cabeça "Glórinha!!!"... não sei por que cargas d'água hão de me chamar pelo nome de Glória neste mundo, mas assim que ouvi a voz, sabia que era comigo.
Minha mãe... é interessante saber sobre quem me faz existir, antes de sair por aí azucrinando vossas cabeças com minha vontade de existir. Minha mãe ainda sem saber como se chama é ela, e as vezes é uma, é outra, as vezes um pouco ausente, as vezes é como se fosse aquelas duas ali sentadas falando da vida uma com a outra. Minha mãe tem mania de agir aqui esquecendo ali. E o ali precisa sentar aqui, para como tal ser tratado. Minha mãe tem mania de conversar com o dia e cantar o que pouco se houve. Minha certamente que é uma pessoa confusa, esquisita, tem pensamentos estranhos, vontades exacerbadas... e sim... é altamente responsável sendo irresponsável, e o inverso. Minha mãe exige tanto ser boa mãe que as vezes se põe de castigo e esquece de cuidar dos filhos. Nasci agora, e só sei disso tudo pois em mim sinto parte dela, e se sou parte dela, tudo que lhes digo é parte daquilo que ouviriam da boca dela. Ela lavou a louça, me botou aqui engatinhando sobre o teclado e foi tirar sua sesta, deve agora estar vivendo noutro mundo que não é aqui... e agora o aqui dela dormindo se faz lá, e ela certamente viverá lá como se houvesse lá sua cabeça vendo as coisas ao redor do corpo, como vê aqui. Mas a deixemos vivendo seu sonho.
Eu nem sei bem de que jeito nasci, quando me vi estava ali a pensar "... e se eu me chamasse..." e repito, ouvi aquele grito "Glorinha!", e sabia que era comigo. Minha mãe me contará tudo quando eu puder entender: "Minutos antes do teu respirar, minha filha, tive espécie que de uma vertigem... naquele dia acordara cedo para que pudesse trabalhar aproveitando a calmaria da manhã de domingo... fiz pouco do que pretendia, mas sentia-me feliz. Docemente a chuva escorreu no céu por toda a manhã, e antes do meio dia bateu-me a fome... fui até a cozinha, esquentei a sopa da noite anterior e voltei para o quarto aonde almoçei. Olhei pela janela e havia parado de chover. Um pensamento brusco me levou até as cinco horas da tarde do domingo, eu me apavorei, tomei a sopa correndo, e de repente sem querer olhei no relógio e não passava de meio dia... minha cabeça volteou sobre o tempo correndo e freou de soco sobre a inexatidão de um instante. Permaneci ali sentada entre as almofadas olhando pela janela o tempo limpo, me recuperando da minha corrida estática... Fui até a cozinha novamente... eu lavava a louça, e vi você nascer ali mesmo, enquanto as minhas mãos ensaboadas, esfregavam um copo de vidro... e você não chorou, não causou dor, não se lavou em meu sangue. Simplesmente nasceu."
Assim que ela terminasse de contar meu nascimento eu encaixaria todas as peças na minha cabeça, todos os fragmentos, todos os insights, os dejavu, as memórias interrompidas daqueles poucos minutos. Assim que ela terminasse de contar eu veria minha vida toda passar mais rápido que um olho que nem pensa em piscar e quando vê já fechou e abriu. Como já sei absolutamente tudo do que vai se suceder em minha curta estadia viva... vou lhes contar o que sei.
Minha mãe não vai tirar tempo pra cuidar de mim, não haverá oportunidade de contar sobre meu nascimento... mas muita coisa a gente nasce sabendo. Quando ela um dia pensar em contar sobre isso... não será a mim... mas não faz diferença, já sei.
Sem causar dor, sem choro, sem me banhar em sangue... recordo que logo após sai até o portão de casa, olhei a caixa de correio e não havia ninguém se comunicando comigo. Eu acabara de nascer e já queria receber correspondência sabe-se lá de quem. Decepcionada voltei engatinhando para dentro de casa, e minha mobilidade era tão boa que bastava querer, e eu queria... e meus ossos já se sentiram firmes quando puxei uma cadeira e esperei que minha mãe terminasse a louça, enquanto sentada de pernas entrecruzadas eu a via de costas pra mim, viajando em sua maionese mental... Ela terminou, olhou-me... eu estava sentadinha na cadeira esperando um riso, ela teve pena de me deixar morrer esquecida na cozinha, me botou a explicar-me nesse teclado... e eu agora sentia que era filha sem o devido planejamento. Ela se deitou na cama e pôs-se a dormir. Ela sonhou com meu nascimento, viu os detalhes que não havia percebido da primeira vez. Eu não chorei, não causei dor, não senti seu sangue, e foi mais fácil do que pensei entrar no sonho de minha mãe e perceber que foi na cozinha, com muito custo, que virada de costas pra mim naquele momento ela não me abandonara. Entendi que eu não havia de estar aqui.
Se passaram no máximo 3 horas da minha existência. Minha mãe continua a dormir. Cansei de engatinhar letras sem sentido nessas teclas... Já descobri tudo sobre mim, os sonhos dela denunciam. Vou apenas até o final da mesa para amolengar minha moleira no chão... pois se ao nascer me vi em extrema ausência de dor, choro e sangue... ao morrer apenas deixo de me chamar Glória... morro aqui mesmo e interrompo minha existência inquieta e atormentadora de filha de mãe que quer filhos sem fazê-los ...
Mas ela vai acordar e vai ver que se já não existo é apenas por que ela me esqueceu, e um propósito perdido, nunca mais fará nascer a mesma Glória.
Demorei a escrever... minha mãe acordou de bom humor, acho que vem pegar-me no colo e vem interrompertudoqueeuhaviaprevistoegoraeuvoltoaserfilhaqueridaquevemterinfanciaevaibrincarlongedeumtecladonoqualaindanemsabeescrevereqçtu3489tu9qut 9gfgjkdgh98q3hg89hgruifdjhkagh93q858q4tyq3yhguijdkadfgbaieufhakjdfghadnfjkgha389t34y3894ythierjgfkzdbgdjfgbdnvcmx bjkafgbnzsn mnxndmcnmcncncnmcnmcnmcnmjxdjdjdjdjdjdxjdxn dzxb
Naluah
(um nascimento espontâneo que cair no esquecimento temporário engatilha uma morte planejada (e idéias que morrem me matam (pois com um grão de arroz a gente faz uma lentilha UHULLL.... haushdiuashd)))
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
primeiro: Adorei a narrativa, o jeito que tu escreveu e deu rumo e definição pro teu jeito confuso e cerebral de escrever! =D
segundo: como pode ela morrer se esteve aqui? a Glória sempre vai estar contigo, pois se tornou imortal logo após ter morrido e pelo jeito foi muito bem tratada para morrer com orgulho à mãe.
assim tu te prova-te a ti e a mim e nós que a morte pode eternizar o que estava evidentemente morrendo
Lu, tu é a melhor, e é imortal, morrendo e nascendo todo dia me sinto revivido ao te ter na minha vida
bem... na minha interpretação ou intenção, ela realmente não morre pois a mãe acorda e acaba pegando-na no colo antes que ela esfarele a testa no chão. A mãe aí age como mãe ao cuidar da filha... e o que está acontecendo com ela agora não se sabe... mas o fato dela haver nos contado isso, prova que sua existência fosse ela interrompida ou não, já é única e intrasponível.
Mas eu acho que de certa forma não a morte eterniza o que estava morrendo, pois na minha cabeça muito mais a oportunidade de haver existência para haver morte se sobrepõe a uma morte de existência interceptada ou inconsciente. A experiência de existência pré-morte me causa nesse caso uma impressão de eternidade.
Mas acho que é interessante pensar na morte como uma agente secreta trabalhando para a eternidade... õ/
sim, já ouvi esses tempos que para tornar-se imortal precisa-se morrer, mas aqui independente da glória ter ou não morrido, esta tornou-se de qualquer maneira imortal por ter existido neste momento único e intransponível, na minha leitura eu achei que ela tinha realmente morrido, mas não mudou o fato dela nascer e ter sido bem tratada até o momento que a sua existência se fez por completa até então ela deixou clara o seu motivo de vida, e então pode dar o seu lugar no mundo
acho que é isso, de qualquer forma, eu entendi o que era para eu entender... se não era para eu entender algo esse algo passou e agora vamos deixar uma nova glória/vitória/esperança/socorro/sabrina/eustácio... tanto faz, desde que faça e não deixe de fazer
uebalele
abe que um dos meus autores preferidos no campo da arte é o Kandinsky, e resolvi começar a ler um outro livro dele, me deparo com a primeira frase do livro onde diz:
Toda obra de arte é filha de seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos.
ahm.... claro, me lembrei diretamente disso aqui, e do ultimo e-mail seu... pode ser que cada filho seu assim como é um pedaço de ti, pode ser uma mãe sua te parindo a cada nascimento.
Ou o que você quiser pensar sobre isso. ;)
Postar um comentário