sábado, 27 de março de 2010

Eu dentro da memória.

Eu paro o olhar numa cena embaçada, e minha mente sai fora do ar, não vejo, não sinto, não penso, e não quero, absolutamente nada. Fico as vezes minutos assim, até o momento em que pisco meus olhos, e sacolejo a cabeça pra ter de volta minha consciência. A consciência parece algo tão fugidio e tão arisco do corpo em certos instantes. Instantes em que se instaura na mente um agente causador de lacunas no tempo e no espaço, e o eu foge do corpo, não avisa pra onde vai, e sem o menor por quê lembra que me abandonou e volta, mas na volta não me esclarece por onde andou, nem por onde andei.
Sempre recusei a idéia de marcação de tempo e acredito que a vontade verdadeira é atemporal, vem de dentro de mim na hora em que vem, não na hora em que é obrigada por mim a se fazer presente. Cortei nos últimos tempos em mim o pensamento que recusava essa marcação, e forcei minha vontade a vir quando eu mandasse, mesmo que no momento outras estivessem ali de boa e com muita vontade, esperando que eu tomasse a simples atitude de agarrá-las pois ardia em mim a paixão de vive-las. E elas permaneciam ao meu lado esperando, até que o desânimo das tentativas de convocar outras que não existiam me frustravam, e juntas entristecíamos, as vontades pela rejeição e eu pela negligência. A minha liberdade e alegria descompromissada movia ao redor de mim toda a vontade e a disposição em aceitar aquilo que me era disponível no momento exato. Havia algo comparável àquela ingenuidade infantil de apenas brincar na rua até anoitecer, sem se importar com o perigo do horário.
A minha tentativa disciplinada de estabelecer uma rotina estável contrariava toda a natureza de emoção e incerteza em descobrir a novidade do dia. Eu rompi com algo tão meu em busca de algo sistêmico e controlado, controverso aquilo me fazia ser eu, sem me deixar ser feliz.
Eu ia à busca de um aperfeiçoamento, na certeza e na segurança, que julguei encontrar na vontade controlada, no dia planejado. Na expectativa de conseguir mudar algo nato, e aceitando me colocar na rotina de mais um dia projetado que eu não conseguia cumprir, me angustiei, me senti inútil e me irritei comigo mesma.
Eu olho pra dentro de mim e pergunto por que foi que eu aceitei com passividade conviver com melancolia, angústia, ansiedade e tensão. E agora nos resquícios disso quando por acaso olho pra mim no reflexo do vidro das lojas, eu vejo uma expressão que me torna muito mais velha e pesada.
Eu olho pra dentro de mim e sei que não sou, nem nunca fui assim, mas é como estou.
Estou assim por que andei fora de mim, tentei me colocar dentro de um tubo de ensaio e reagir com o mundo experimentando uma prisão. Ao me permitir a experiência de me prender, acabei realmente me entregando aos sintomas cabíveis. A experiência de viver assim amplia e fundamenta a visão que sempre tive em relação a natureza e o respeito que devemos a essa essência que gera nossas vontades.
Como é sofrido impor a si mesma tarefas que não me importam no instante, como é angustiante pensar na responsabilidade das minhas próprias cobranças e tentar conciliar com a cobrança de outros. É insuportável agüentar vontades adequadas ao tempo e aos planos. Vontades são únicamente destinadas ao ser.
Sem querer de repente minha válvula de escape se torna fugir do meu corpo e ir pra um lugar onde nem eu sei, pra que assim eu não pense naquilo em que devo a mim e aos outros e ainda não fiz, nem vou conseguir fazer. Não são deveres reais, não são meus desejos, mas são aqueles que planejei e que seriam ótimos fazer se houvesse uma pontinha de vontade intercedendo por mim. Percebi que para cumprir os meus planos do dia os meus principais desejos sempre eram os últimos da lista, pois antes eu deveria cumprir meu cronograma.
Isso não existe. Isso nunca existiu, e minhas verdadeiras vontades nunca vão estar em dia comigo, se antes delas minha razão mentirosa continuar a insistir que primeiro preciso fazer o dever de casa do professor, antes de olhar a borboleta saindo do casulo ou a carreata de formigas carregando um grilo morto.
Detesto toda e qualquer voz que me diga o que fazer, mesmo que essa voz seja a minha própria ordem intransigente. Ninguém precisa me dar ordens, e agora aprendi que muito menos eu, pois a minha cobrança pesa sem necessidade mais que qualquer outra.
Se essa voz que me diz o que fazer não é minha própria vontade, se a voz que me diz o que fazer não me deixa feliz, e nem me esclarece, nada faz sentido, e se não faz sentido não sou eu quem quer.
Ultimamente a alegria me fez chorar. Chorar de emoção por estar alegre... Nesse período fui tão indiferente e restritiva comigo mesma, tão persistente nessa idéia de me impor afazeres que me anulei. Consegui fazer-me alvo dum sentimento medonho de contenção de vontade, da troca de um impulso natural, pela camisa de força do projeto. A angústia de me abster da vontade já foi suficiente... e percebo que isso até parece um relatório, mas é minha pura vontade de escrever retornando.
Agora experimento um ar de liberdade antigo, tão novo, tão limpo da idéia de me enquadrava num único ângulo, agora posso reacostumar-me a aceitar o instantâneo, o momentâneo, afinal, nada permanece intacto pra sempre, tudo muda e todo segundo é único. Quero voltar àquela intensidade,e a liberdade de corrigir meus defeitos e aperfeiçoar as virtudes, mas dentro daquilo que a natureza da minha essência é, e que eu não saberia definir, afinal não existe meios de definir a amplitude do ser. Mas eu ainda consigo saber que quando apenas sou, só há como ser feliz.
A vida é tão impetuosa, imediata, inesperada, inconformada e intensa, e por teimosia eu quis experimentar a vida controlada. Controlar o quê? Me basta voltar a aceitar que tudo é possível, e afinal as coisas acontecem do jeito que devem, quer eu veja com bons ou maus olhos. O problema sempre esteve nos olhos de quem vê.
Agora quem me leva é a intuição, o tato, os sentidos, as vontades, não apenas as superficiais e materiais, mas as vontades essenciais e naturais.
Estava com saudades de escrever, e aceitar que realmente andei meio fora do meu próprio ar, e que está na hora de reconectar as sinapses, e não chocá-las compulsivamente umas contra as outras até ver nascer probleminhas espevitados inexistentes.
Preciso me preocupar menos, viver mais, e principalmente, fazer apenas aquilo que quero e posso.
E posso tudo desde que respeite-se a lei do silêncio após as 22.00h.


Naluah
(...mas podemos entender a "lei do silêncio após as 22.00h" como a "hora das vontades")


Um comentário:

CALcine disse...

te ler e me escrever
eu pude de novo
e outra vez
ver e ser

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